Artigo: O Patrimônio liquido e a base de calculo do ITCD
Evidente, como premissa do tema
que será abordado a seguir, que a sociedade somente prospera quando houver uma
regular e equilibrada fonte de riquezas circulando de forma sustentável. No
mundo organizado essa circulação de riquezas se processa, em sua grande
maioria, através das pessoas jurídicas, empresas cuja finalidade maior é manter
ativamente um processo de geração de equilíbrio entre o capital e o emprego.
No Brasil essas pessoas jurídicas
estão concentradas em empresas familiares, que atualmente representam 65% do
PIB brasileiro, segundo a pesquisa global de empresas familiares em 2023 feita
pela PWC[1].
Apontam as pesquisas que apenas 36% dessas pessoas jurídicas sobrevivem à
segunda geração e 19% à terceira, restando tão somente 7% na quarta geração.
Pode-se apontar que um dos
principais fatores, em explicação às mortes prematuras das empresas, é o conflito
familiar decorrente da difícil convivência entre a propriedade e a gestão do
negócio. Os herdeiros recebem as cotas em herança, no entanto, quem
administrará o negócio?
Por isso mesmo, em 2002,
iniciamos em Mato Grosso um trabalho que visava organizar as empresas
familiares, cuja base principal era a transferência da propriedade assistida
aos herdeiros, com o claro objetivo de impor uma governança corporativa e criar
o hábito de gerir os negócios coletivamente, evitando a surpresa pela perda do
executivo principal, normalmente na figura do pai, e o dilema de quem irá gerir
a sociedade a partir de então. Assim, acomodar os interesses, interagir com
mediação de conflitos antes dos fatos ocorrerem, salvam empresas.
Esse trabalho iniciado nos anos
80 nos EUA é uma das boas ações humanas para a prosperidade dos negócios e, em
Mato Grosso, as empresas familiares do agronegócio têm passado por um “boom”
nessas estruturações e profissionalização do negócio como um todo.
Com isso, mostra-se indiscutível
que, nessa senda, os governos devem ter claro interesse em manter as riquezas
circulando, ao pensamento válido de que a existência de uma empresa em
funcionamento por longo prazo traz benefício duradouro, tanto social, quando
arrecadatório.
Por isso só, a sucessão familiar
deveria ser um estímulo estatal e não uma dificuldade. Contudo, a ausência
dessa visão de longo prazo e, data vênia, a prática de injustiça
tributária tem levado empresas familiares a adiarem essa importante decisão, com
riscos óbvios de manter a estatística acima trazida.
Referimos à injustiça tributária
ao fato da insegurança jurídica na apuração da base de cálculo do ITCD com a
transferência das cotas sociais dos doadores, pais, aos donatários, filhos, em
que o Estado de Mato Grosso erroneamente se mira. Essa é uma situação constante
nas empresas agropecuárias.
Para contextualização do que
estamos afirmando, a cobrança do imposto sobre a doação das cotas sociais tem
base de cálculo normatizada pela Lei 7.850/2005, art. 17º, que assim dispõe:
Art.
17 - No caso de ações não negociadas em bolsas, quotas ou outros títulos
de participação em sociedades comerciais ou civis de objetivos econômicos,
considera-se valor venal o seu valor patrimonial na data da
ocorrência do fato gerador.
Como conceito de valor
patrimonial disposto na lei, entende o Estado de Mato Grosso, via do Decreto
2.125/03, que seja o valor patrimonial real das empresas e não o valor
efetivamente apurado por um regular contador, que se obriga a seguir as regras
estabelecidas aos profissionais para apuração do patrimônio líquido. Pelas
normas contábeis e Lei 6.404/76, patrimônio líquido é o valor residual do
resultado da soma dos ativos diminuído da soma dos passivos da empresa, e levantado
exclusivamente por um profissional contabilista, portanto é o valor que resta
aos seus proprietários.
A SEFAZ em atuações recentes de
ITCD para encontrar o valor patrimonial real, parte, como não poderia ser
diferente, do patrimônio líquido da sociedade, acrescentando subjetivamente valores
à ativos imobilizados que julgam não atualizados a preços de mercado. Primeiro,
importa notar que há vedação legal à reavaliação de ativos imobilizados,
expressa na Lei 11.638/2007. Assim o contabilista está impedido de atualizar o
valor, que segue com seu montante original (custo histórico); por segundo, qual
a segurança jurídica de que chegamos, agora sim, ao valor patrimonial real
daquela empresa?
Aqui lembramos que um dos
cálculos universais para encontrar suposto valor de mercado da empresa
praticado entre particulares, logo, esclarece-se desde já, longo muito longe
dos princípios do direito tributário, é o fluxo de caixa projetado e descontado
a valores presentes. Esse caixa projetado leva em consideração projeção de
lucros em, no mínimo, 5 anos e perpetuidade, considerando a continuidade da
empresa. A descrição deste tópico somente tem o sentido de demonstrar a
complexidade de apuração do valor de mercado de uma empresa em negociação entre
particulares, ou entre sócios dissidentes, como bem alerta o doutrinador
societário Fábio Ulhoa. Imagine, esse mundo de expectativa servir de base para
cálculo de impostos!
Mas, o fato verificável é ainda
pior!
É praxe nas empresas
agropecuárias, os servidores estaduais avaliarem os imóveis que se encontram,
segundo a normativa contábil e legal à custos históricos, pelos valores
registrados no ITR. Assim, parece a uma primeira vista se chegar a uma base de
cálculo, digamos, atualizada. Nada mais se viu. Há expectativa positiva no
mercado quanto à atividade agro exercida naquela região? A valor referencial na
região para empresas similares? Nada disso! Então por qual motivo o
contribuinte não contesta os cálculos apresentados pela Fazenda Estadual? Sim,
muitos magistrados vêm requerendo esta providência. Pelo simples motivo de que
a expressão universal do valor de uma empresa é o seu patrimônio líquido, já
apurado e apresentado. Não há mais nada a contestar!
Entender que a base contábil é
universal não é o mesmo em determinar que o patrimônio líquido é o exato valor
de mercado. Afinal, aos olhos do vendedor vale mais e do comprador, menos,
quando se foca estritamente em mercado. Mas, todos concordamos que isso é muito
particular. Portanto, aqui não se discute se o patrimônio líquido é menor ou
maior do que o mercado, mas sim de que o patrimônio “real” não é base segura,
muito menos decorre de disposição legal (leia-se: lei em sentido estrito), para
garantir uma justa tributação.
Ademais, o direito como ciência,
especialmente o tributário, não pode se acomodar com os subjetivismos, sob pena
dos possíveis excessos na busca da saga arrecadatória. Se é valor patrimonial
real, como quer o Estado, como avaliar com a certeza o patrimônio real? A lei
se cala, como alertado precedentemente, quanto ao que adicionar ou excluir do
patrimônio líquido, para se encontrar a base de cálculo do patrimônio real.
Então tudo se resume ao subjetivismo do servidor autuante, aliás, como são os
casos que temos acompanhado.
Se é assim, por qual motivo a
ciência contábil prospera? Se é assim, por que o mundo vem utilizando as
demonstrações financeiras contábeis como referência e base da mensuração dos
patrimônios líquidos das pessoas jurídicas? Instituições financeiras, CVM,
mercados de capitais, todos que atuam em negócios mobiliários operam com
demonstrações financeiras. E sabem por quê? Porque há um profissional
regulamentado responsável em seguir procedimentos padrões internacionais (IFRS)
para a mensuração do patrimônio líquido de uma empresa.
Logo, valor patrimonial que
dispõe a lei não se refere a valor do patrimônio real, como deseja o Estado por
seu Decreto, pelo simples motivo da insegurança de obtê-lo, refere-se com
certeza ao patrimônio líquido da empresa, apurado segundo padrão contábil
internacional.
Por fim, aceitar como base de
cálculo o referido patrimônio real das empresas, é admitir a incerteza da base onde
incidirá o imposto, incorrendo na possibilidade de confisco, injustiça
tributária, e principalmente, em ato ilegal, por não definir objetivamente em
lei os critérios de adições e exclusões ao patrimônio líquido, objetivando se
chegar ao “tal” patrimônio real.
Óbvio que à medida que o Estado
esteja livre para calcular o valor de uma empresa, ignorando por completo as
normas contábeis que estão submetidas aos profissionais regulamentados, que tem
por finalidade máxima apurar o valor do patrimônio líquido em um determinado
período, iremos beirar ao casuísmo e, o que é pior, em total insegurança sobre
a representatividade da justiça tributária expressa numa justa base de cálculo.
Lembra-se que base de cálculo
excedente ou de difícil apuração é sinônimo de injustiça tributária.
Carlos Alberto do Prado
Sócio da Prado Advogados
Contador e Advogado
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