Mesmo com incertezas sobre as safras de milho e soja no Brasil, cenário de crise do primeiro semestre de 2022, com preços do suíno em baixa e da soja e milho, em alta

O primeiro semestre de 2022 foi de profunda crise na suinocultura brasileira, com preços de venda do animal em baixa e os custos de produção com a alimentação dos animais, principalmente com milho e soja, elevados. A falta de chuvas no Sul do país geraram perdas na soja e no segundo verão de milho no final de 2021, e a safra de milho em 2022 também teve várias regiões produtoras impactadas pela escassez de precipitações.

Desta forma, tomando como indicadores baseados no Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, preços atingidos pela saca de milho, de soja, e pelo quilo do suíno vivo em março, por exemplo, mostraram uma relação de troca extremamente desfavorável ao suinocultor.

Segundo Valdomiro Ferreira, presidente da Associação Paulista de Criadores de Suínos (APCS), a relação de troca ideal, no caso da suinocultura independente, é uma arroba suína comprar 2,5 sacas de milho. Fazendo uma comparação do preço do saca de milho em 11 de março de 2022, medido pelo Cepea a R$ 103,57, e o preço do suíno vivo em São Paulo custando em 8 de março R$ 6,13/kg (R$ 114 ,88 a arroba no mercado independente paulista), a relação de troca era uma arroba suína podendo comprar 1,1 saca de milho.

Em 20 de janeiro de 2022, o Cepea informou em uma análise de mercado que a relação de troca entre o preço do suíno e o milho/farelo de soja era a pior da história. “O preço do suíno vivo tem registrado queda intensa neste mês, causada pela combinação de vendas lentas e oferta elevada de animais para menor. A desvalorização expressiva se aliou à forte alta dos preços dos principais insumos consumidos na atividade, milho e farelo de soja, significativamente o poder de compra de suinocultores – a relação de troca por milho, especificamente, é a pior da história”, apontava a publicação do Cepea.

A informação é corroborada pela Associação Brasileira de Criadores de Suínos (ABCS) em um informativo publicado em fevereiro de 2022. “levantamento realizado pela ABCS junto às associações filiadas e parceiras, em janeiro/22 a relação de troca do suíno com o milho foi de 3,65 e com o farelo de soja foi de 2,11; a média das duas primeiras semanas de fevereiro indicaram um agravamento desta relação de troca do suíno com o milho e o farelo de soja, chegando a 3,29 e 1,90 respectivamente. Como base de referência, de modo geral, considera-se como ideal, para que se tenha margem positiva na atividade, que 1 kg de suíno vivo seja suficiente para comprar ao menos 6 kg de milho ou, no mínimo 3,5 kg de farelo de soja”.

De acordo com o último Levantamento para a safra 2023/24, divulgado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no dia 10 de janeiro, a soja deve apresentar uma produção de 155,3 milhões de toneladas. O resultado representa uma quebra de 4,2% na expectativa, uma vez que as primeiras projeções apontavam para uma colheita de 162 milhões de toneladas.

“No caso do milho, a produção total está estimada em 117,6 milhões de toneladas, redução de 10,9% em relação ao ciclo anterior. A queda é reflexo de uma menor área plantada e de uma piora na expectativa de rendimento das atividades. A primeira safra do cereal, que representa 20,7% da produção, vem passando por situações adversas como, elevadas precipitações nos estados do Sul, baixas pluviosidades acompanhadas pelas altas temperaturas no Centro-Oeste. Segundo o boletim da Conab, para a segunda safra do grão, além de avaliar os custos, as decisões dos produtores dependentes de fatores climáticos, a disponibilidade de janela para o plantio e os preços de mercado”, detalhando a Conab.

Com este cenário atual de perdas sendo registrado neste ciclo da soja 2023/24 em várias regiões produtoras de intempéries climáticas e incertezas sobre o plantio do milho na segunda safra, devido a possíveis atrasos na janela de semeadura, é possível que o cenário de repique não preço estes insumos serão repita como em 2022?

RELAÇÃO DE TROCA ATUAL ENTRE O SUÍNO E OS INSUMOS

Conforme informações do Cepea, o poder de compra dos suinocultores paulistas vem caindo frente ao milho neste mês de janeiro, mas aumentando sobre o farelo de soja. Vale lembrar que os dois produtos são os principais insumos utilizados na alimentação dos suínos. “Segundo pesquisadores do Cepea, enquanto os preços do suíno vivo acumulam expressiva queda no mercado independente, as cotações do milho se sustentam no balanço do mês, embora tenham perdido força nos últimos dias. O farelo, por sua vez, tem se desvalorizado ainda mais que o animal vivo em parcial de janeiro, o que explica a melhora na situação do suinocultor paulista”.

Enori Barbieri, vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (Faesc), diz que não acredita que o cenário visto no início de 2022 deva se repetir neste 2024. “Devemos ter talvez ganhos menores que 2023, mas mesmo assim um setor muito demandado no mercado internacional. Vemos um setor bastante ajustado entre produção e indústria, em termos econômicos e de renda”.

Apesar deste cenário imprevisível para as commodities agrícolas, e ainda parca recuperação nos preços da carne suína no mercado brasileiro, Ari Jarbas Sandi, analista da Embrapa Suínos e Aves, afirma que há expectativas de melhoria nos preços de exportação da proteína suína, o que pode amenizar um pouco esse cenário possível de altos custos de produção de suínos. “Contudo, como as incertezas e o risco de mercado são uma constante, vejamos que a Rússia habilitou várias plantas frigoríficas para exportar para a China, nosso maior aliado comercial de proteína animal, especialmente no que diz respeito à carne suína”.

Luís Rua, diretor de mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), relembra que o custo de produção foi muito alto nos anos anteriores. “Foi complicado, 2022 com milho a R$ 100,00 a saca, soja a R$ 200,00 a saca no primeiro semestre. Isso se combina com um preço de venda do suíno muito baixo. Não vemos que 2022 vai se repetir e não vemos que o milho nem a soja vai chegar aos patamares que a gente viu antes”, contornou.

Rua ainda explica que em 2021 havia um grande volume de carne suína indo para a China, e que depois começou a diminuir. É um mercado de volume, mas não mais o mais rentável. “Este ano também entendemos que não devemos ter uma questão de preço de venda do animal muito baixo porque a perspectiva não é de um aumento massivo nos alojamentos como visto em 2022”.

Segundo dados da ABPA, a perspectiva para 2024 para a produção de suínos no Brasil é de um incremento de até 1% no comparativo com 2023, chegando a um montante de 5,1 a 5,150 milhões de toneladas de proteína suínica produzida. No caso das exportações, o aumento este ano deve ser na ordem de até 6,6%, atingindo 1,3 milhões de toneladas.

Para o Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal (Sindirações), “a influência do El Nino (replantio de soja e atraso na janela de semeadura do milho) somada à menor área de semeadura do milho vai diminuir a produção. A oferta de milho deverá ser suficiente para atender à demanda interna, produção e exportações, muito embora, vamos sofrer com a especulação no preço. A cotação estável do dólar (girando ao redor de R$ 5,00) deve cooperar com o planejamento da indústria e não inflacionar o custo, muito embora o setor deva acompanhar atentamente o comportamento da CAMEX frente aos pedidos de proteção da indústria de aditivos que produz localmente, ou seja, de incremento da alíquota do imposto de importação”.

 O QUE DIZ O SETOR DA SUINOCULTURA

Segundo o presidente da Associação Paulista de Criadores de Suínos (APCS), Valdomiro Ferreira, ele não vê o cenário caótico do início de 2022 para a suinocultura brasileira se repetindo. Entretanto, ele explica que isso não deve acontecer olhando muito mais do ponto de vista da sustentabilidade da cadeia de consumo do que da possibilidade das altas dos insumos em si.

“Os setores de proteína animal que consomem este milho e soja não têm falta em hipótese alguma de pagar milho e soja na proporção do que foi em 2022. Claro que o mercado é soberano. O que estamos sinalizando é que não temos fôlego, e até teríamos que repassar fortemente isso ao consumidor, e não enxergo o consumidor conseguindo absorver esse reajuste no primeiro semestre de 2024. O pior momento em 2022 foi quando uma arroba comprou 1,1 sacas de milho. A melhor relação nos últimos 5 anos foi 4,2 sacas de milho. Estes dois números nos extremos, não vemos possibilidade de sustentação entre as relações”, disse Ferreira.

Losivanio de Lorenzi, presidente da Associação Catarinense de Criadores de Suínos (ACCS), compartilha a mesma visão de Ferreira. Ele não acredita que o milho e a soja chegam a R$ 100,00 e R$ 200,00 por saca, respectivamente, porque toda a cadeia de proteína animal é impactada pelo consumo de grãos.

“2023 Foi o segundo ano consecutivo de prejuízo justamente pelos custos de produção altos com os grãos. Não temos condições de manter a atividade com valores acima do que já vendemos, porque não vai ter um consumidor que absorva valores repassados”, disse.

Atualmente, a relação de troca do suíno para o milho em São Paulo, principal polo consumidor de carne suína, é que uma arroba suína a R$ 120,00 compra 1,9 saca de milho, longe do ideal das 2,5 sacas de milho milho milho milho, conforme aponta Valdomiro Ferreira. No caso de Santa Catarina, Losivanio de Lorenzi aponta que hoje, um quilo de suíno vivo compra 4,13 gramas de milho, o que é uma relação desfavorável, “mas não é a pior, como a gente viu em 2022”.

Foi tentado contato com várias cooperativas da área, e algumas das que deram retorno à reportagem disseram que prefeririam não comentar o assunto devido ao "mercado de grãos especulado no momento".

DE OLHO NAS SAFRAS E NOS PREÇOS DOS GRÃOS

A informação sobre a relação de troca entre o preço de suínos e da soja trazida pelo Cepea é corroborada por Fernando Henrique Iglesias, analista da SAFRAS & Mercado, que aponta que há neste momento no mercado uma tendência de custos mais baixos, em especial para o farelo de soja. “Nós já temos o farelo de soja ao redor de R$ 2.100,00 a tonelada, em relação ao custo já caiu bastante, e isso tende a se acentuar conforme nós entramos no período do auge da colheita, tanto no Brasil quanto na Argentina. Então convençamos conviver com os custos mais baixos em relação ao farelo de soja”, explicou.

Para o milho, Iglesias destaca que há uma pressão vendedora neste início de ano porque o produtor brasileiro tem priorizado a retenção da soja e as vendas de milho que foram represadas em dezembro. “Tanto que São Paulo abriu o ano com R$ 80,00 a saca CIF e agora está trabalhando com R$ 70,00/saca CIF”.

Enori Barbieri afirma que apesar das incertezas, certamente a produção de milho deverá superar os 100 milhões de toneladas, apesar dos indicadores apontados para 115 a 117 milhões de toneladas.

“O Brasil consome 85 milhões de toneladas de milho, e apesar de Santa Catarina produzir apenas 2,5 milhões, com consumo acima de 8 milhões no Estado, se tivermos problemas de abastecimento de milho em Santa Catarina, o milho argentino, chega nas indústrias aqui custando em torno de R$ 85,00 a R$ 90,00 a saca”, afirmou, lembrando que Santa Catarina é o principal produtor e exportador de carne suína do Estado brasileiro.

Iglesias explica que o número da SAFRAS & Mercado para a safrinha cai de 100 milhões de toneladas para 89 milhões de toneladas, o que sinaliza um corte importante para a safrinha, mas ainda não quer dizer que vai faltar produto.

“Tem toda uma janela de clima ainda aqui no Brasil para a safrinha de milho e para a safra nos Estados Unidos. Este número um pouco menor significa o seguinte contexto para o milho: o comprador no mercado interno no segundo semestre vai ter que competir com o exportador, vai ter que correr atrás do preço de exportação. Se o preço no porto for R$ 60,00 por saca, o consumidor no mercado interno vai ter que pagar um valor parecido ou um pouco superior para conseguir colocar milho dentro de casa”, detalha Iglesias. 

O diretor de mercados da ABPA, Luis Rua, explica que mesmo com a expectativa de uma safra de milho menor no Brasil este ano, ainda deve ser uma safra cheia, olhando para os indicadores da Conab. “Vamos trazer as exportações de milho porque o milho norte-americano é mais barato. Enquanto no Brasil se vê o milho entre R$ 60,00 a R$ 65,00 por saca, o milho americano vale R$ 50,00 a R$ 53,00, no máximo R$ 55,00 por saca. A safra dos EUA chegou à casa dos 390 milhões de toneladas, ou que é 40 milhões de toneladas a mais que a safra anterior. Os EUA já estão exportando mais porque tem mais milho, e o que os EUA que tem a mais este ano é o que o Brasil sempre exportou. A gente já está vendo washout já aqui. Os preços internacionais são mais baixos, e talvez seja uma das poucas vezes na história que o preço do milho no Brasil é maior que o internacional”, disse Rua.

Redação/foto: Agro2

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